Uncategorized

Ida sem regresso marcado

Este texto era suposto ser um único post sobre o que estava a sentir sobre o lockdown e a influência que teve em mim num momento específico em março. No entanto por algum motivo não o publiquei na altura e continuei a adicionar mais e mais. E assim, sem querer, tornou-se uma espécie de diário sobre o que senti durante este período. Não vou mentir que foi duro para mim. A minha vida mudou do avesso, tive momentos complicados que pensei que nunca mais iriamos sair desta.

escrito no início de março

Escrevo este post em pleno início do período de isolamento em Portugal. Tive o azar (ou a sorte) de estar em Portugal quando as primeiras medidas foram implementadas lá. O voo que apanhei já não estava cheio, e dei de caras com um país vazio. Foi triste, deprimente. Senti-me vazia ao ver o meu país vazio. Não viemos para matar saudades  família como normalmente mas para tratar de situações financeiras inadiáveis. Não vi a minha família para não os expor a um risco potencialmente maior. O meu pai vive a 3 ruas da minha irmã mas não se podem ver.

Mas o que mais custa é saber que embarco hoje de volta para o Reino Unido sem saber quando volto a abraçar os meus. O calendário diz Abril, mas todos sabemos que ninguém sabe. E se por um lado mal posso esperar por chegar a casa, por preferir fazer um eventual isolamento na minha própria casa, por outro nunca senti tanto o peso da emigração.

Cheguei a um reino unido que ainda estava a ignorar o problema. Ninguém evitava sair de casa, ir às compras, foi um choque ver que um país com tantos mortos e infetados não estava a reagir.

(…)

Pouco tempo depois o mundo entrou mesmo em lockdown e estamos a viver tempos sem precedentes. Em Portugal o governo acabou de decretar a extensão do estado de emergência, no reino unido o príncipe Carlos e o Primeiro Ministro Boris Johnson foram infectados. Os números aumentam e a data de hoje já existem 250,000 infectados apenas nos Estados Unidos. Aqui por casa o J. está a trabalhar de casa e eu parcialmente de casa. Montamos um escritório improvisado na sala de jantar. Sentimos falta das viagens, dos concertos, dos espetáculos, dos teatros, de jantar fora, do cinema. Sempre vivemos muito fora de casa e por isso agora sentimos que isto é tudo muito estranho… Ao J. custou-lhe muito a adaptação de ficar em casa porque não saía de casa, assim instituimos aqui em casa diariamente uma saída de casa, seja para dar uma volta ao parque, ir ao supermercado buscar algo que nos faça falta, levar vidro ao vidrao, o que seja… Eu pessoalmente tenho feito mais exercício, muito pouca vontade mas tem-me feito bem. A gata no início estava toda entusiasmada por nos ter em casa agora nota-se que já está farta e isola-se na cama dela. O que mais me mete confusão foi a pilhagem que as pessoas fizeram ao supermercado. Quantas vezes tive vontade de chorar de ver corredores inteiros vazios por me sentir num cenário de guerra…

update em abril

A adaptação está a ser dura. Passo horas ao telefone com companhias aéreas e hotéis a desmarcar viagens que iríamos ter em março, abril e maio. Tive momentos de muito choro, que senti que isto não ia acabar nunca. As viagens, jantar fora, ir ao cinema, são a minha luz para aceitar momentos de trabalho mais complicados. Não posso abraçar amigos nem a família e precisamos tanto deste abraço. Ainda não consigo ver a luz ao fundo do túnel.

Nao tenho vontade de fazer nada. Estou super deprimida a tentar ocupar o tempo, nao esta a ser facil a adaptacao…

update em Maio 

Percebemos que o lockdown vai durar mais do que pensamos e decidimos criar um canto próprio para escritório em casa. Começamos a aceitar e ganhar mais confiança no futuro, embora com muito medo. Se em abril chorei muito agora sinto que já estou bem melhor. Custa-me não saber quando vou viajar, quando vou abraçar os meus amigos, quando o medo vai desaparecer. Tenho medo mas vontade de quebrar a quarentena. Estou farta embora saiba que é para o bem comum (e no final de contas para mim também!). Mas já tenho uma rotina estabelecida e isso ajuda a que os dias não pareçam todos iguais. Continuo a sentir que não me consigo concentrar muito tempo numa coisa, não leio um livro desde o início da quarentena, e o sono continua a ser pouco e de má qualidade. Já sonhei que estava em Sidney, na China… Já sonhei com o Corona, que ficava doente… Acordo cansada e todos à minha volta sentem o mesmo. O meu aniversário vai ser no final do mês e tenho medo de não poder festejar com ninguém…

(…)

Tivemos de viajar até Portugal para tratar de assuntos lá. Viajamos em aeroportos vazios, voos a meio gás, passamos pela experiência de voar de máscara. Não foi nada agradável esta última parte, fez-me pensar duas vezes se quero mesmo voltar a viajar assim tão depressa…

Sinto que aceito um pouco melhor a nova realidade.  O trabalho apertou mais com a reabertura de mais negócios. Não saber quando vou ter férias é duro, sinto-me cansada. As últimas férias a sério foram em junho do ano passado em cabo verde (se for menos de uma semana ou se for em Portugal não contam 🤣🤣). Mas por outro lado aquela sensação de exaustão que todos sentíamos em abril a mim passou-me. Dediquei-me a novos hobbies como a costura e fiz roupas para bebés de amigos (ainda não me aventuro em tamanhos maiores…).

Desde que o confinamento começou nunca mais toquei piano. Algo que me dava tanto prazer de repente ficou esquecido….

O meu aniversario foi no final do mes. O J. fez um esforco incrivel para me proporcionar um dia feliz tendo em conta o momento que vivemos. Foi MUITO bom o dia!

update em Junho

A maioria dos dias sinto-me muito melhor mas tenho tendencia em ficar muito cansada e deprimida no final da semana. O trabalho esta ao rubro e adoro, nao me posso queixar… Continuo a fazer coisas de costura e estou a tentar ganhar coragem de ler um livro, ja nao pego ha meses! Os fins de semana continuam a ser os momentos mais dificeis porque a falta de rotina faz com que os dias nunca mais acabem. Todos os fins de semana tento convencer o J. a fazer um projeto de obras la para casa, coitado, ja nao me pode ouvir. Sigo atentamente qualquer noticia da criacao de “pontes” para outros paises e continuo a pesquisar voos como se nada fosse, e’ dificil adormecer este bichinho…

(…)

Pela primeira vez fui ao supermercado e havia TUDO! Até ovos e vários tipos de farinha, algo que faltou durante meses… Hoje comentava com o J. como esta porcaria nos fez perceber dos priveligiados que somos. Nunca nos falta comida, roupa, lazer.

Mesmo assim tenho muitas saudades de ser livre. De ir a casa dos amigos sem receio. De abraçar as pessoas com muita força, de jantar fora sem planear muito. De saber o que vou fazer nos próximos fins de semana e sentir-me entusiasmada!

(…)

Quando parece que já estamos habituados um de nós tem um momento de fraqueza. Um choro pela descompensação, um momento que nos mostra que não gostamos nada desta situação. Ontem era suposto termos ido ver os Queen com o Adam Lambert, hoje fazemos 4 anos de casamento e amanhã era suposto fazer uma intervenção médica. Os Queen e a intervenção médica foram adiadas (a segunda sem data marcada) e estamos limitados no que vamos fazer para festejar o nosso aniversário. Mas estamos juntos e isso é o mais importante!

(…)

Desde dia 15 de junho os centros comerciais abriram e de repente ficou tudo mais normal. Não é que exista um pingo de normalidade nesta situação mas ver gente na rua fez-me sentir que os últimos meses nunca aconteceram. Aguardo ansiosamente que anunciem o fim da quarentena para quem chega ao país para poder marcar férias. Tenho saudades de viajar, mas acima de tudo preciso de uma ou duas semanas para descansar.

(…)

Sem dúvida que parece que nos aproximamos de uma nova normalidade. Os restaurantes vão reabrir no dia 4 de julho, a maioria do comércio já está aberto. Ainda me custa MUITO ficar em casa sem projetos, fico deprimida. Sinto pela primeira vez que fomos super produtivos na quarentena porque fizemos imensos projetos de obras em casa (e temos dois mega projetos alinhados!!!) mas estou doida para voltar a estar mais tempo fora de casa. Marcamos um fim de semana fora para julho (que obviamente irá render posts por aqui) e estamos ansiosamente a espera que saia a lista de países autorizados a viajar sem quarentena para marcarmos uma semana fora.

update em Julho

Hoje é dia 4 de julho e reabriram os restaurantes. O J. não queria mas eu fiz uma surpresa e marquei mesa num restaurante que amamos. Ficamos numa mesa isolada, sem ninguém no raio de 10 metros. E pela primeira vez brindamos ao “vai ficar tudo bem”. Pela primeira vez sentimos que de facto isto vai um dia acabar. Embora neste momento não possamos ir a Portugal sem fazer quarentena no regresso (que para mim é impossível) acabámos de marcar as primeira férias. Ainda faltam várias semanas mas sentimos alguma normalidade. Decidimos desconfinar devagarinho. Daqui a pouco tempo vamos passar um fim de semana fora aqui no reino unido. Mas decidimos que vamos ficar num sítio onde possamos cozinhar para evitar contacto. Iremos fazer caminhadas, ter contacto com a natureza e nada mais (espero). Também vamos começar a rever amigos, devagar, um grupo de cada vez… O vírus não foi embora, o impacto  na economia e na sociedade ainda estão para ser verdadeiramente apurados mas sobrevivemos. Não todos infelizmente, mas nós estamos cá.

Nota final: jamais pensei que este post se tornasse num diário do que senti neste momento. Decidi guardar o que estava a sentir durante a quarentena apenas porque não queria pôr ninguém mais para baixo. Acho importante guardar estes registos para o futuro, para que todos aprendamos uma lição de que nem tudo é garantido. Em 2020 as nossas liberdades básicas de compras, convívio e liberdade foram tiradas de um dia para o outro. Agora que as estamos a recuperar sabem AINDA melhor! 

Uncategorized

A vida continuou durante a quarentena

Durante meses vivemos obsecados com o Corona vírus. Vivemos para os números, com as notícias, com as medidas, o confinamento. Mas à nossa volta a vida continuou a acontecer. Amigos perderam familiares, amigos ganharam novos membros na família (humanos e de pêlo), pessoas descobriram que tinham cancro, celebramos aniversários. Recebemos óptimas notícias seguidas de péssimas. Nenhuma delas relacionada com o Corona…

A vida continuou….

Planeamos viagens nas nossas cabeças e descobrimos os bairros onde vivemos como nunca o tínhamos feito. Trabalhamos mais que nunca, tivemos de rearranjar a casa para termos mais conforto. Fizemos obras, melhoramos coisas. Compramos decoração, fizemos projetos.

E a vida continuou…

Desesperamos com a Amazon, fomos ao supermercado vezes sem conta. Preparamos refeições deliciosas e outros dias desesperamos. Abençoamos os dias que não tivemos de enfrentar o trânsito e sentimos saudades dele.

E a vida continuou….

Abraçamos quando ainda não era permitido porque o momento se impunha. Viajamos antes da quarentena obrigatória ser implementada antes de darmos aquele abraço apertado a família que sabemos que pode não se repetir assim tão em breve.

Sabíamos que éramos felizes e ajustamo-nos para encontrar novamente essa felicidade dentro de nós. Sentimos saudades do passado mas temos esperança que volte em breve…

Uncategorized

Eu e o Covid

Tenho noção que estes tempos são únicos. Que para sempre saberemos onde estávamos na primavera de 2020, tal como sabemos onde estávamos a 11 de setembro de 2001. É importante que relembremos como estes tempos foram vividos para a posteridade.

Os meus avós conviveram com a fome, os meus pais viveram austeridade extrema dos anos 80, a minha geração terá de se lembrar da quarentena de 2020.

No início senti que isto não me estava a acontecer a mim. Que estava num filme, que não era eu que estava a viver aquela realidade. Como estava em Portugal quando o lockdown foi decretado lá tentei avisar no reino unido. Mesmo a uma semana do acontecimento ninguém queria acreditar. Mandei pessoas para layoff sem saber quando as vou voltar a ver, vi pessoas com medo do que está para vir, mas tive de ser o elo forte. O J. já trabalhava há semanas a partir de casa quando eu finalmente recebi luz verde. E foi nessa altura que o meu mundo desabou. Foi nessa altura que perdi horas da minha vida ao telefone com companhias aéreas, hotéis, agências de viagens a remarcar ou cancelar férias. Se antes sentia que não era eu que estava a viver isto, agora sentia que o mundo todo está nos meus ombros. Um dia, num dia em que um amigo me sentiu menos bem e me mandou uma mensagem em que me disse que precisava de melhorar para ajudar uma amiga que não estava numa fase boa, porque afinal somos irmãs só que de mães diferentes. Foi a gota de água. Chorei tudo o que andava a segurar há semanas. Chorei compulsivamente durante vários minutos. O J. ficou sem chão por me ver assim. Eu sentia-me mesmo a bater no fundo. A família, os amigos, as viagens, os concertos e jantar fora são uma parte ENORME da minha vida e foram-me retirados em menos de 24 horas. Quase tudo o que me faz levantar de manhã não estava lá mais. Demorei a recuperar desse dia. Depois chegou uma terceira fase, em que pensei no positivo. Que tenho o J. ao pé de mim, a família e os amigos a distância de um click e o trabalho que tanto amo. Que tenho a sorte de poder trabalhar alguns dias fora de casa (sou considerada “Key worker”) e que ajuda a quebrar a rotina, que vivo num bairro óptimo que finalmente estou a descobrir. Depois comecei a descobrir a normalidade. Chamadas com a família diárias e mais curtas durante a semana mas mais longas durante o fim de semana. Os amigos que fazem pão e oferecem. As obras que aproveitamos para fazer em casa. As séries de TV que ando a ver. Oscilo entre a sensação de vazio durante o fim de semana e a rotina que tanto gosto durante a semana. Passeios longos a volta do bairro ajudam que o J. saia de casa e se mantenha mentalmente são. Se me tentarem mostrar vantagens deste momento que estamos a viver, para além de ver o J. mais horas não consigo nomear nenhuma. Ainda pesquiso viagens compulsivamente, até para Maio (tão inocente). O meu aniversário é já para o mês que vem e sei que a festa que tinhamos programado provavelmente não vai acontecer.